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Os 30 anos do “Raïs” Mubarak

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A queda do Presidente egípcio depois de quase três décadas de um regime “neo-sultânico” foi considerada como, provavelmente, “o mais importante acontecimento no Médio Oriente desde a queda da monarquia egípcia em 1953”. (Ler mais | Read more…)

Foto 1-

© Direitos Reservados | All Rights Reserved

Não morreu de doença como Gamal Abdel Nasser nem assassinado como Anwar Sadat. O destino de Hosni Mubarak, o presidente a quem os egípcios chamavam “faraó”, foi o mesmo do rei Farouk: uma revolução popular (e um golpe militar) obrigou-o a deixar o trono a que ascendeu em 1981.

Não era este, certamente, o destino esperado pelo octogenário que achava ter um mandato divino para governar 85 milhões de súbditos.

Foi a guerra e a paz que deram proeminência a Mubarak. Em 1967, depois de treinos numa academia militar soviética, Nasser encarregou-o de reconstituir a força aérea egípcia, dizimada por Israel em apenas seis dias de combates em que os exércitos árabes perderam a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Leste), a Faixa de Gaza, a península do Sinai e os Montes Golã.

Em Outubro de 1973, quando Sadat surpreendeu os israelitas no dia mais sagrado do calendário judaico, Yom Kippur, foi o “comandante Mubarak” que quase vingou a humilhante derrota na guerra anterior. A vitória foi travada por uma intervenção dos EUA que fez pender a balança a favor de Telavive.

A proeza de Mubarak impressionou Sadat que, abatendo as suas desconfianças em relação ao oficial nascido numa aldeia no delta do rio Nilo, nomeou-o vice-presidente em 1975. Dois anos depois, Sadat causaria choque e surpresa ao visitar Jerusalém, um acto que antecedeu o primeiro e histórico tratado de paz israelo-árabe, os Acordos de Camp David.

A paz custou ao Egipto o ostracismo da Liga Árabe, que cortou todos os laços com o Cairo, onde tinha a sua sede – as excepções foram a Mauritânia, Omã e o Sudão. A 6 de Outubro de 1981, quando Sadat foi morto a tiro por um soldado ligado a um grupo islamista, muitos esperavam que Mubarak (sobrevivente às balas por um triz) revogasse o tratado com Israel, negociado por Jimmy Carter.

No entanto, o novo Presidente (tomou posse no dia 14), apesar de as suas primeiras medidas terem sido a libertação de presos políticos e uma maior abertura da sociedade, desfez as expectativas, ao exaltar como “escolha estratégica” o acordo com o “inimigo”.

Foto 2

© Direitos Reservados | All Rights Reserved

Esta tomada de posição fez de Mubarak um aliado precioso dos Estados Unidos, numa parceria que se consolidou quando foi preciso apoiar Saddam Hussein na guerra Iraque-Irão (1980-88) – e com isto voltar a liderar a Liga Árabe –, e quando foi necessário destruir Saddam Hussein na guerra do Golfo de 1991, após a invasão do Kuwait – o que lhe valeu o perdão de uma dívida aos EUA de 20 mil milhões de dólares.

A manutenção de uma “paz fria” com Telavive e de um ódio visceral a Teerão (onde há uma rua com o nome do assassino de Sadat) permitiram que Mubarak recebesse a segunda maior ajuda externa dos EUA (depois de Israel).

Os milhões de dólares recebidos dos EUA ajudaram a modernizar as forças armadas egípcias com equipamento suficientemente sofisticado para destruir inimigos internos, como a Irmandade Muçulmana, mas jamais superiores à qualidade do material fornecido a Israel.

Mubarak nunca confiou no seu povo, e isso ficou evidente quando decidiu manter em vigor – até esta semana – o estado de emergência imposto após o assassínio de Sadat.

A lei marcial permitia-lhe prender sem julgamento qualquer suspeito, e as cadeias egípcias foram denunciadas por grupos de direitos humanos como câmaras de tortura de milhares de opositores e de alegados terroristas da al-Qaeda que a CIA transferiu da base de Guantánamo.

Foto 3

@DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

A Irmandade (al-Ikhwan al-Muslimun) é o maior movimento de oposição e, desde os tempos de Farouk (que deixou morrer o fundador, Hasan al-Banna) e de Nasser (que enforcou o ideólogo, Sayyid Qutb), que vinha sendo ora legalizada ora tolerada.

Mubarak usou a confraria como pretexto para reprimir todos os dissidentes, tentando mostrar ao Ocidente que a única alternativa ao seu poder eram os islamistas.

Nos anos 1990, quando al-Gama’at al-Islamyya (Grupo Islâmico), uma facção extremista que emergiu da Ikhwan, começou a atentar contra o regime e a visa turistas estrangeiros – uma das principais fontes de receita do Egipto –, Mubarak não hesitou em lançar uma gigantesca operação para eliminar a ameaça jihadista.

Centenas foram presos e executados, mas o perigo perseguiu-o até à Etiópia, quando tentaram matá-lo durante uma visita oficial em 1995 – nos seus vários mandatos, terá sobrevivido a pelo menos seis conspirações.

Apesar de a Irmandade ter renegado a luta armada, oficial e publicamente, Mubarak só lhe permitiu levantar a cabeça nas legislativas de 2005, quando a organização conseguiu, inesperadamente, 20 por cento dos lugares do parlamento, com candidatos independentes.

Este resultado, que alguns analistas dizem ter sido “manipulado” para que Mubarak, pressionado pela Administração Bush, mostrasse que a Ikhwan era um perigo, já não foi repetido em 2009.

Por esta altura, com a América mais preocupada com o Irão, Mubarak não deixou sequer a Irmandade concorrer. O mesmo aconteceu nas presidenciais de 2005 – o único rival autorizado, Ayman Nour, ficou-se por 8% de votos, mas ainda assim acabou na prisão e, depois de libertado, foi espancado.

APTOPIX Mideast Egypt

© Direitos Reservados | All Rights Reserved

Se, internamente, nenhuma oposição, religiosa ou laica, conservadora ou liberal, poderia desafiar o Raïs Mubarak, externamente, o Egipto foi retomando o papel de “líder da nação árabe”, servindo de mediador entre a Arábia Saudita (que já prometeu continuar a financiar o Presidente destituído) e a Líbia; entre a Síria e o Líbano; e entre os palestinianos do Hamas e da Fatah.

A mediação, através do vice-presidente Omar Suleiman, nunca foi encarada com seriedade, e as negociações não resultaram. O Hamas, que controla Gaza, não se reconcilia com a Fatah, que governa a Cisjordânia; e nenhuma destas facções consegue chegar a um acordo com os israelitas.

A imparcialidade ficou ainda mais comprometida, quando se soube que o Egipto abriu o seu espaço aéreo a Israel para que bombardeasse o Hamas em Gaza.

No campo económico, se o Egipto tem registado uma taxa de crescimento anual de 5 a 7 por cento, desde 2004, a realidade é que mais de 40 por cento da população vive na pobreza.

E foi esta realidade – mais do que a repressão de um Estado policial – que levou milhares e milhares de pessoas, a maioria desempregados e funcionários mal pagos, gente da cidade e do campo, jovens e velhos, homens e mulheres, para a Praça Tahrir, no Cairo, induzidas pela revolta que derrubou Ben Ali na Tunísia.

Preso ao passado, na era da globalização, do Facebook e do Twitter, Mubarak não chegou a compreender o que se passava à sua volta. O discurso no dia 10, que antecedeu a sua demissão, mostrava um líder num “universo paralelo”, como observaram alguns analistas.

Os egípcios reclamavam mais oportunidades económicas e mais direitos cívicos num país que teve, em 1923, uma Constituição tão progressista quanto a dos Estados Unidos e foi, nos anos 1950-60, quase são competitivo como o Japão, para se transformar num Estado com 1,5 milhões de informadores, uma taxa de literacia de apenas 66% e um produto nacional bruto (PNB) per capita de 2.270 dólares anuais (contra 26.256 no vizinho e mais pequeno Israel).

Ousted Egyptian president Hosni Mubarak

© Direitos Reservados | All Rights Reserved

Os egípcios cansaram-se da corrupção e do nepotismo que infiltraram toda a sociedade. Cansaram-se de um sistema que não se baseava em ideologia ou capacidades de liderança, como escreveu Aladdin Elaasar no seu livro The Last Pharaoh, mas “numa mistura de medo e recompensa aos seus colaboradores – ou seja um regime neo-sultânico”.

Mubarak podia ser abstémio (não bebia nem fumava e era viciado em exercício físico para uma vida saudável) mas era ganancioso. A sua família, em particular a mulher, Suzanne, e os filhos, Alaa e Gamal (que ele preparou para lhe suceder), acumulou uma fortuna de milhões, que os bancos suíços estão agora a congelar.

Como um militar empedernido, Mubarak resistiu até ser obrigado a sair. Sobre ele próprio, disse uma vez numa entrevista, em 2005: “Só tive três meses de férias em 56 anos de carreira. Há 56 anos que trabalho pelo Egipto. Deus está do meu lado e aqui morrerei.”

Ironia da História ou do destino que ele tenha abandonado o poder a 11 de Fevereiro, tal como o Shahanshah (Rei dos Reis) Mohammad Reza Pahlavi, que deixou o trono em Teerão em 1979 e agora jaz no Cairo – a cidade onde começou a revolução contra o faraó.

Não se confunda esta sublevação sem líder com a do carismático Ayatollah Khomeini, mas uma coisa é certa: 32 anos depois da queda do imperador iraniano, muitos persas invejam pela primeira vez os árabes.

[Em Maio de 2015, um juiz deliberou o fim de três anos de prisão a que Hosni Mubarak tinha sido condenado por corrupção. “Tecnicamente, é um homem livre”, escreveu o “New York Times“. Permanece, contudo, num quarto de hospital, que nos últimos três anos serviu também de cela. Os militares agora no poder parecem “mais tolerantes”, desde que o general Abdel Fattah el-Sisi assumiu a presidência em 2013, após afastar Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, acrescentou o jornal. Ambas as partes terão chegado a um “compromisso”: Mubarak continua “internado” mas os seus dois filhos, Alaa e Gamal, foram libertados, em 2015.]

© Carlos Latuff

© Carlos Latuff

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 1 de Julho de 2012 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on July 1, 2012

Filed under: Politics Tagged: Abdel Fattah el-Sisi, Alaa Mubarak, Camp David, Egipto, Gamal Abdel Nasser, Gamal Mubarak, Hasan al-Banna, Hosni Mubarak, Irão, Irmandade Muçulmana, Israel, Jimmy Carter, Mohamed Morsi, Praça Tahrir, Sayyid Qutb, Yom Kippur

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